Malu Ayres detona o Fora do Eixo.

Malu relata que conheceu o FDE em 2008, quando eles ainda eram blog. Ela realizava a divulgação da 1ª edição do festival e contatava diversos blogs alternativos de mídia independente, quando se deparou com o blog FDE. O blog tinha alguns colaboradores nos estados, diz, procurei o colaborador de Minas e enviei release, material para divulgação. “Acho que o BH Indie Music chegou ao boom dos independentes no momento em que os festivais estavam sendo dominados pelos meios de comunicação digital que os promoviam. No final naquele ano, explodiam coletivos por todo o país. Coletivo era uma reunião de bandas para a produção de festas, de shows, de festivais, de blogs, de estampas, de discos, de vendas. Enfim, era uma microempresa para promover um núcleo de bandas que acabou colocando em evidência mais a marca FDE. Lá tinham produtores, músicos, designers, jornalistas e até advogados. Num dia, encontrei mais pentelhos que bandas e as bandas tinham todas a mesma cara”.
Segundo a artista a organização destas “iniciativas” era do FDE, e enquanto os coletivos ainda se reuniam em várias cidades do país, a entidade, parceira da grande maioria dos festivais independentes, criava uma rede de comunicação que dava destaque aos maiores festivais. Até a imprensa convencional e alternativa tinha sido desbancadas por eles. “Não tardou, o FDE era promessa de incentivo fiscal e patrocínio garantido a quem defendesse a marca. A presidência da Abrafin é dada ao FDE. Todos os festivais teriam a gestão do FDE. Os festivais independentes que não aceitavam a proposta de sociedade (40% do valor patrocinado para a captação, produção e comunicação do FDE e parceiros), foram ameaçados como festivais concorrentes”. Pelo o que conta Malu estava rolando uma guerra de poder no então recém-criado mercado independente de música. Mas, continua a artista, a guerra era dos grandes festivais contra o FDE, uma guerra interna na Abrafin por verbas e patrocínios. “Aqui em BH o FDE ainda se estruturava para a criação de um coletivo local e passaram todo o ano se encaixando politicamente em cargos de entidades. Ninguém tinha a experiência de tocar galinha e ostentavam cargos em presidência de tudo que tivesse apoio de verba pública”.
Um dos aspectos mais intrigantes do relato de Malu é que com o BH Indie Music estabilizado e mostrando dezenas de bandas ao mercado, o FDE em BH encontrou uma cena forte e robusta. Muitas bandas boas e prontas. De acordo com a produtora, todos os grupos foram contatados, muitos aderiram à proposta e, com meses de criação, o coletivo local FDE de BH recebe a aprovação de incentivo municipal no valor de quase 200 mil reais. Fato e valor inéditos que chamaram a atenção de produtores dos principais festivais alternativos da cidade que suavam a camisa para 20 mil, 40 mil para seus festivais, todo ano. “O incentivo dado ao coletivo FDE local não requeria esforço da captação. Era incentivo direto da prefeitura. O dinheiro estava em conta corrente. Por um lado, quem produzia há mais tempo, sabia que tinha coisa errada ali. As bandas novas, que não sabiam de nada, acharam que seriam contratadas e nunca se viu tanta banda roadie, produção e vendedora na banquinha FDE como naquele ano”. Ou seja, em uma “ação articulada” o FDE deu um golpe branco na cena forte de Belo Horizonte.
Canalhice Geral
O que rolou, enfatiza, é que as melhores bandas e as mais bem preparadas artisticamente eram desestimuladas a se apresentarem no BH Indie Music. Mas isso não inibiu o surgimento de boas bandas a cada ano, e o monopólio do portfólio independente local nunca prejudicou o festival. O assédio do FDE de BH em agregar a sua marca ao BH Indie Music era o que provocava desentendimentos entre mim e membros do coletivo da cidade, lembra Malu. Eu, como única responsável pelo BH Indie Music, nunca permiti a ingerência dessa gente. Isso livrou o sequestro do nosso festival pelo FDE. Como retaliação, o festival do FDE era agendado para a mesma data do BH Indie Music, atrapalhando nossa assessoria de imprensa por dois anos consecutivos. Uma atitude para lá de canalha, como normalmente costuma adotar o FDE. “Como o BH Indie Music não tinha patrocínios, é realizado com o apoio de espaços de shows de destaque em Belo Horizonte, com o capital próprio de cada banda que saiu de outra cidade, com uns 300, 400 reais de cartazes, então, competir com assessoria de imprensa paga, era um golpe sujo deles. O BH Indie Music já tinha determinado a sua conduta desde 2008. Pedi ao coletivo local que ‘tomasse vergonha’ e cuidasse melhor do calendário que isso não atrapalhava só o BH Indie Music em BH, mas todos os festivais estavam reclamando do mesmo problema em todo o país. Motivo este da saída de todos eles da Abrafin, pouco tempo depois”.
As desculpas eram as mesmas: “Obedecemos a uma regra maior das diretrizes do FDE, não é nada pessoal“. Era guarda armada de braço cruzado impedindo nossa passagem. A passagem da cena independente. Malu costuma dizer que não pode falar do FDE porque nunca se misturou com eles. “Não gosto do discurso, não gosto das pessoas envolvidas que conheci e isso já me basta. Outra coisa que digo é que conheci todo tipo de explorador e produtor 171 na profissão. Para mim, já deu o aprendizado. Quando chegaram, ficou fácil determinar de que lado o BH Indie Music estaria – do lado das bandas”. Em 2011 anunciamos que a 6ª edição do festival será em 2013. Não seria surpresa se contasse aqui que não houve edição do FDE esse ano em BH. Coincidência, ou não? Nesse ínterim, depois que grandes festivais saíram da Abrafin, ela foi extinta e ocupada pelo circuito FDE. A geopolítica da entidade também mudou. O coletivo de BH perdeu seu posto gerencial. Marca e nome desapareceram. Uma rede de casas noturnas com a marca FDE toma a paisagem das cidades capitaneadas por eles. DJs, desfile de óculos gigantes e cachecóis, além de bandas de improviso, são diversão garantida das festas O palco também já virou palanque político.
Isso me faz lembrar uma conversa que tive no início disso tudo, com um produtor do FDE em 2008, salienta ela: Por que vocês só chama artistas dos selos de Goiânia? Por que não interagem com a produção local das cidades? Resposta do gestor do FDE: As bandas, a música, não são nossa prioridade, Malu. Os festivais e as bandas estão levando o projeto pra um propósito muito maior. Ora, qual será o propósito maior que o Fora do Eixo visa? Política, grana, muito provavelmente sim. Malu continua forte na produção do festival e crê que a cena independente está viva. O problema é que parece que a cena espera alguém que conduza seu caminho e pensa que a única via de mercado para os independentes é o FDE. Desde quando artista independente dependeu de FDE? O mercado independente deve se firmar com o artista/criador à sua frente, sempre. Nada de representações até que se conheça o jogo do explorador. “Essa dica aqui é boa: além de um mercado com venda direta de discos, há o mercado de execução de obras que é sustento importante da carreira de um criador. Para que o artista saiba explorar este mercado, sua música deve ser executada e seus registros como criador/intérprete devem estar em dia. Hoje, com a desinformação contra o ECAD (bom fazer saber que o FDE é a principal entidade contra o ECAD), muitos músicos e autores não se filiaram e, sendo todos independentes, a produção independente de toda a cadeia ficou ainda mais enfraquecida. O artista independente não foi informado que está perdendo dinheiro toda vez que sua música toca na rádio, no filme, ou no show (mesmo naquele que você tocou de graça). Se soubesse, ficaria por dentro da informação e teria grana para o ensaio”.
Um aspecto essencial que Malu destaca é à captação de patrocínios. Sem patrocínio não tem como pagar os cachês. Ao mesmo tempo, quem tem patrocínio não paga as bandas, mas não quer bandas independentes sem público. E o artista independente sem show, não fomenta seu público. Esqueça esse eixo empenado! Quem quer agradar patrocinador não pensa no independente, a menos que ele traga lucro vendendo boton na barraquinha do festival. O artista independente não deve se prender só ao mercado de shows. Há o mercado fonográfico autoral que acaba por promover os shows. “As Leis de Incentivo já são problema para a criação autoral, bem antes da chegada do FDE. Mudá-la é questão de urgência, mas vem sendo mantida em banho-maria pelos eventos institucionais (criados pelos departamentos de marketing das próprias empresas patrocinadoras), que já tiraram o artista criador de suas planilhas há muito mais tempo. Ser independente é questão de sobrevivência. Bancar seus próprios shows é a saída para encontrar seu público. Reunir mais bandas, ajudar na produção e na aglutinação e compartilhamento de público. De toda a galera que eu conheço com uma história legal de carreira, ninguém ficou parado esperando a ‘oportunidade’. Todo mundo corre atrás. Por que não realizar um festival independente aí na sua cidade também?”.
O FDE então é uma marca nociva ao mercado novo de música? “Sim. Desinformou a cena, desestruturou o mercado oferecendo mercadoria de graça, explorou a produção artística para arrecadação de verba pública, criou a ideia de que artista bom é artista solidário e disse para as bandas que a música que elas criam não vale nem o download, nem a execução. Para desbancar o FDE aprendemos aqui que é melhor ignorá-los. Eles próprios se meteram numa torre de babel linguística de políticas socioculturais digitais e midiáticas cada vez mais difíceis de ouvir. O esquema está sendo investigado em SP pelo Ministério Público Federal (olha aonde chegou o tamanho da brincadeira). O dinheiro secou (essa é a melhor parte). Já provaram que a produção de artistas deles não dá em nada”.
Estão engolindo o próprio rabo por incompetência em gestão artística. “Aqui em BH, quase nenhum deles tem mais banda, são todos DJs.” Ou seja, por mais que o FDE célebre, ele esgotou todas as fontes da cadeia produtiva de música. Sugou o mercado de mídia alternativa, o mercado de festivais independentes, o mercado de verbas públicas, o mercado de disco independente (se vendeu discos, não pagou nenhum), as bandas independentes, as casas de shows. “O canudinho chegou no fundo, Mas a criação é nossa, isso ninguém tira. Estamos nós, os artistas independentes aqui, no mesmo lugar de sempre. E se repararmos bem, é hora de voltar ao trabalho. Procurar menos culpados, fazer menos reclamações e executar mais projetos”.
As bandas já deveriam saber que não existem oportunidades fáceis como as que apresentam o FDE, mas como cada um precisa do seu próprio tombo na vida! O eixo correu pra São Paulo. Agora é a vez de a capital paulista lidar com o problema. “Alô, alô, São Paulo – o Brasil inteiro já se livrou dessa roda empenada. Só tá faltando vocês. E se livrou quando se ocupou mais das bandas que dos bandos. Quando começou a ouvir a música que se cria, mais que a missa que se prega. Hoje, a cena nacional independente já cresceu e já desbanca o FDE, a hora que ela quiser. Basta se organizar. Como artista independente, nunca vai te faltar estrada pra correr. Estrada que não acaba nunca e um monte de banda querendo tocar aí na sua cidade, em troca de você tocar na dele. Se você é artista, aprenda com isso tudo: nunca mais dependa de ninguém pra ser artista independente”, finaliza Malu.

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