O discurso de Lula na abertura do 7º Congresso Nacional do Partido
dos Trabalhadores (PT), em São Paulo, foi um dos mais bem elaborados já proferido por ele. Emocional, politico, direto e falando para a militância e o povo brasileiro.
Que ninguém espere um homem raivoso, com ódio. Lula se mostrou acima de tudo isto e renovado para a luta.
Leia a íntegra do discurso de Lula:
Companheiras e companheiros do PT,
Convidados de todo o Brasil e de outros países,
Minhas amigas, meus amigos,
Esperei muito tempo para poder falar livremente ao povo
brasileiro. Esse dia finalmente chegou, e minha primeira palavra tem de ser de
agradecimento, pela solidariedade, pelo carinho e pelas manifestações de quem
não desistiu de lutar e vai continuar lutando pela verdadeira justiça.
Durante 580 dias fui isolado da família, dos amigos e
companheiros, apartado do povo, mesmo tendo o direito constitucional de
recorrer em liberdade contra a sentença injusta e fraudulenta de um juiz
parcial. Um direito que somente agora foi proclamado pelo Supremo Tribunal
Federal, para todos, sem exceção.
Com as armas da verdade e da lei, continuarei lutando para
que os tribunais reconheçam, agora, que fui condenado por quem sequer poderia
ter me julgado: um ex-juiz que atuou fora da lei, grampeou advogados, mentiu ao
país e aos tribunais, antes de desnudar seus objetivos políticos. Lutarei para
que seja anulada a sentença e me deem o julgamento justo que não tive.
Aos 74 anos de idade, não tenho no coração lugar para ódio e
rancor. Mas quem nesse país já sofreu a humilhação de uma acusação falsa, por
causa da cor de sua pele ou por sua origem social humilde, conhece o peso do
preconceito e é capaz de sentir o quanto fui ferido em minha dignidade. E isso
não se apaga.
Nada nem ninguém vai devolver o pedaço arrancado da minha
existência, mas quero dizer que aproveitei esses 580 dias para ler, estudar,
refletir e reforçar meu compromisso com o Brasil e com nosso povo sofrido.
Voltei com muita vontade de falar sobre o presente e principalmente sobre o
futuro do Brasil.
Mas logo depois da minha primeira fala, de volta ao
sindicato onde passei o último momento de liberdade, disseram que eu deveria
ter cuidado para não polarizar o país. Que seria melhor calar certas verdades
para não tumultuar o ambiente político, para o PT não provocar uma ameaça à
democracia.
Vamos deixar uma coisa bem clara: se existe um partido
identificado com a democracia no Brasil é o Partido dos Trabalhadores. O PT
nasceu lutando pela liberdade durante a ditadura. Não tentem negar essa verdade
porque nós apanhamos da repressão, fomos perseguidos, presos e enquadrados na
Lei de Segurança Nacional por defender essa ideia.
Desde que foi criado, há quase 40 anos, o PT disputou dentro
da lei e pacificamente todas as eleições neste país. Quando perdemos, aceitamos
o resultado e fizemos oposição, como determinaram as urnas. Quando vencemos,
governamos com diálogo social, participação popular e respeito às instituições.
Outros partidos mudaram as regras da reeleição em benefício
próprio. Nós rejeitamos essa ideia, mesmo gozando de uma aprovação que nenhum
outro governo jamais teve, porque sempre entendemos que não se pode brincar com
a democracia.
Não fomos nós que falamos em fechar o Congresso, muito menos
o Supremo, com um cabo e um soldado. Em nossos governos, as Forças Armadas
foram respeitadas e os chefes militares respeitaram as instituições, cumprindo
estritamente o papel que a Constituição lhes reserva. Nenhum general deu murro
na mesa nem esbravejou contra líderes políticos.
Não fomos nós que pedimos anulação do pleito só para
desgastar o partido vencedor; que sabotamos a economia do país para forçar um
impeachment sem crime; que sustentamos uma farsa judicial e midiática para
tirar do páreo o candidato líder nas pesquisas.
Não fomos nós os responsáveis, ativos ou omissos, pela
eleição de um candidato que tem ojeriza à democracia; que foi poupado de
enfrentar o debate de propostas, que montou uma indústria de mentiras com
dinheiro sujo, sob a complacência da mesma Justiça Eleitoral que, desacatando
uma decisão da ONU, cassou o candidato que poderia derrotá-lo.
São essas pessoas que agora nos dizem para não polarizar o
país. Como se polarização fosse sinônimo de extremismo político e ideológico.
Como se o Brasil já não estivesse há séculos polarizado entre os poucos que têm
tudo e os muitos que nada têm. Como se fosse possível não se opor a um governo
de destruição do país, dos direitos, da liberdade e até da civilização.
Aos que criticam ou temem a polarização, temos que ter a
coragem de dizer: nós somos, sim, o oposto de Bolsonaro. Não dá para ficar em
cima do muro ou no meio do caminho: somos e seremos oposição a esse governo de
extrema-direita que gera desemprego e exige que os desempregados paguem a conta.
Somos e seremos oposição a um governo que rasga direitos dos
trabalhadores e reduz o valor real do salário mínimo. Que aumenta a extrema
pobreza e traz de volta o flagelo da fome. Que destrói o meio ambiente. Que
ataca mulheres, negros, indígenas e a população LGBT; ataca qualquer um que
ouse discordar.
Somos, sim, radicais na defesa da soberania nacional, da
universidade pública e gratuita, do Sistema Único de Saúde, público, gratuito e
universal. Nós não somos meia oposição; somos oposição e meia aos inimigos da
educação, da cultura, da ciência e da tecnologia. Nós não aceitamos mais
censura, tortura, AI-5 e perseguição a adversários políticos.
Andam negando essa verdade científica, mas a Terra é redonda
e nós estamos, sim, em polos opostos: enquanto eles semeiam o ódio, nós vamos
mostrar a eles o que o amor é capaz de fazer por este país.
Companheiras e companheiros,
Já foi dito que o PT nasceu para mudar o Brasil. E mudou.
Porque trazemos na origem o compromisso com os trabalhadores, com os mais pobres,
com os que carregaram ao longo de séculos o peso da exclusão e da desigualdade.
Porque pela primeira vez fizemos um governo para todos os brasileiros e
brasileiras, e isso fez toda a diferença em nosso país.
Se fosse para governar apenas para uma parte da população, o
Brasil não precisaria do PT.
Para o mercado decidir quem pode e quem não pode se
aposentar, quanto vai custar o gás de cozinha, o combustível, a energia
elétrica, visando somente o lucro, o Brasil não precisaria do PT.
Se fosse para entregar ao estrangeiro as riquezas naturais,
o petróleo, as águas, as empresas que o povo brasileiro construiu, o Brasil não
precisaria do PT.
Se fosse para queimar a floresta, envenenar a comida com
agrotóxicos, deixar impunes crimes como os de Mariana e Brumadinho, ignorar
desastres como o óleo no litoral do Nordeste, quem precisaria do PT?
Para o filho do rico estudar nas melhores universidades do
mundo e o filho do trabalhador ter de largar a escola pra sustentar a família,
o Brasil não precisaria do PT.
Se é para alguns terem mansão em Miami e muitos viverem
debaixo do viaduto; para o rico ficar isento até do imposto de herança e o
trabalhador carregar o peso do imposto de renda, o Brasil não precisaria do PT.
Para manter a mais escandalosa concentração de renda do
planeta Terra, para o rico continuar cada vez mais rico e o pobre ficar cada
dia mais pobre, aí mesmo é que o Brasil não precisaria do PT.
Porque o maior inimigo do Brasil hoje e desde sempre é a
desigualdade, esse vergonhoso fosso em que 1% da população detém 30% da renda
nacional e para a metade mais pobre sobram 17%, as migalhas de um banquete
indecente.
Mas se este país quer superar a chaga imensa da
desigualdade, recuperar a soberania e o seu lugar no mundo, se quer voltar a
crescer em benefício de todos os brasileiros e brasileiras, o Partido dos
Trabalhadores é mais do que necessário: ele é imprescindível.
Esta é a enorme responsabilidade que estamos recebendo. O
Brasil nunca precisou tanto do PT. E o PT tem de ser grande o bastante para
corresponder ao que o país espera de nós. Tem de estar unido, forte e cada vez
mais conectado com o povo brasileiro.
Temos a responsabilidade de renovar o partido, compreender o
que mudou na sociedade brasileira nesses 40 anos e buscar as respostas para os
novos desafios. Fomos forjados na luta em defesa da classe trabalhadora.
O peso da injustiça recai hoje sobre os motoristas de
aplicativos, os jovens que perdem a saúde e arriscam a vida fazendo entregas em
motos, bicicletas, ou mesmo a pé. Os que não têm a quem recorrer por seus
direitos, porque a única relação de trabalho que conhecem não é a carteira
profissional, mas um telefone celular que ele precisa recarregar
desesperadamente.
Esse é o lugar que resta aos deserdados de um modelo
neoliberal excludente, cada vez mais desumano. Um mundo em que o mercado é deus
e em que a solidariedade deixa de ser um valor universal, substituída por uma
competição individualista feroz.
É com esse mundo novo que o PT precisa dialogar, sem abrir
mão de nossos compromissos históricos, mantendo os pés firmes no presente e
mirando sempre o futuro. Se as formas de exploração mudaram, a injustiça e a
desigualdade permanecem e são cada vez mais cruéis. Temos de estar mais
organizados, mais fortes, conscientes e mais decididos do que nunca a construir
um país mais generoso, solidário e mais justo. É por isso que o Brasil precisa
tanto do PT.
Companheiras e companheiros,
Salvar o país da destruição e do caos social que este
governo está produzindo não é tarefa para um único partido. Fomos eleitos e
governamos em aliança com outras forças do campo popular e democrático. Por
mais que tentem nos isolar, estamos juntos na oposição com partidos da
centro-esquerda e estamos com os movimentos sociais, as centrais sindicais e
importantes lideranças da sociedade.
Embora tantos tenham cometido erros antes e depois dos
nossos governos, é somente do PT que exigem a autocrítica que fazemos todos os
dias. Na verdade, querem de nós um humilhante ato de contrição, como se
tivéssemos de pedir perdão por continuar existindo no coração do povo
brasileiro, apesar de tudo que fizeram para nos destruir. Preciso dizer algumas
verdades sobre isso.
O maior erro que nós cometemos foi não ter feito mais e
melhor, de uma forma tão contundente que jamais fosse possível esse país voltar
a ser governado contra o povo, contra os interesses nacionais, contra a
liberdade e a democracia, como está sendo hoje.
Deveríamos ter feito mais universidades do que fizemos, mais
reforma agrária, mais Luz Pra Todos, mais Minha Casa Minha Vida, mais Bolsa
Família e mais investimento público.
Teríamos de ter conversado muito mais com o povo e com os
trabalhadores, conversado mais com os jovens que não viveram o tempo em que o
Brasil era governado para poucos e não para todos.
Também tínhamos de ter trabalhado muito mais para
democratizar o acesso à informação e aos meios de comunicação, apoiado mais as
rádios comunitárias, fortalecido mais a televisão pública, a imprensa regional,
o jornalismo independente na internet.
Antes que a Rede Globo me acuse outra vez pelo que não disse
nem fiz, não ousem me comparar ao presidente que eles escolheram. Jamais
ameacei e jamais ameaçaria cassar arbitrariamente uma concessão de TV, mesmo
sendo atacado sem direito de resposta e censurado como sou pelo jornalismo da
Globo.
Eu sempre disse que jamais teria chegado onde cheguei se não
tivesse lutado pela liberdade de imprensa. Hoje entendo, com muita convicção,
que liberdade de imprensa tem de ser um direito de todos, não pode ser
privilégio de alguns.
Não pode um grupo familiar decidir sozinho o que é notícia e
o que não é, com base unicamente em seus interesses políticos e econômicos.
Entendo que democratizar a comunicação não é fechar uma TV,
é abrir muitas. É fazer a regulação constitucional que está parada há 31 anos,
à espera de um momento de coragem do Congresso Nacional. É fazer cumprir a lei
do direito de resposta. E é principalmente abrir mais escolas e universidades,
levar mais informação e consciência para que as pessoas se libertem do
monopólio.
Enfim, penso que teríamos de ter lutado com mais vontade e
organização, fortalecido ainda mais a democracia, para jamais permitir que o
Brasil voltasse a ter um governo de destruição e de exclusão social como voltou
a ter desde o golpe de 2016.
A autocrítica que o Brasil espera é a dos que apoiaram, nos
últimos três anos, a implantação do projeto neoliberal que não deu certo em
lugar nenhum do mundo, que vai destruir a previdência pública e que ao invés de
gerar os empregos que o povo precisa está implantando novas formas de
exploração.
A autocrítica que a democracia e o estado de direito esperam
é daqueles que, na mídia, no Congresso, em setores do Judiciário e do
Ministério Público, promoveram, em nome da ética, a maior farsa judicial que
este país já assistiu.
O mundo hoje sabe que, ao contrário de combater a impunidade
e a corrupção, a Lava Jato corrompeu-se e corrompeu o processo eleitoral e uma
parte do sistema judicial brasileiro. Deixou impunes dezenas de criminosos
confessos que Sérgio Moro perdoou e que continuam muito ricos.
Como podem dizer que combateram a impunidade se soltaram
pelo menos 130 dos 159 réus que ele mesmo havia condenado? Negociaram todo tipo
de benefício com criminosos confessos, venderam até o perdão de pena que a lei
não prevê, em troca de qualquer palavra que servisse para prejudicar o Lula.
Que ética é essa que condena 2 milhões de trabalhadores, sem
apelação, destruindo empresas para salvar os patrões acusados de corrupção?
Não tem moral, não tem autoridade para discutir ética quem
deu cobertura aos procuradores de Deltan Dallagnol e Rodrigo Janot quando eles
entregaram a Petrobrás aos tribunais dos Estados Unidos, um crime de
lesa-pátria que já custou quase 5 bilhões de dólares ao povo brasileiro.
Temos muito o que falar sobre ética, sobre combate à
corrupção e à impunidade. Mas acima de tudo temos que falar a verdade.
Meus amigos e minhas amigas,
Alguns professores de deus defendem um modelo suicida de
austeridade fiscal e redução do estado, que não deu certo em nenhum lugar do
mundo. Tiveram o apoio da mídia e das instituições para culpar os governos do
PT por tudo de ruim que havia no Brasil. Mentiram que tirando o PT do governo
tudo se resolveria, por obra do mercado e do ajuste fiscal. E os problemas se
agravaram ainda mais.
Os indicadores econômicos do Brasil pioraram: a balança
comercial em queda, a economia paralisada, setores da indústria destruídos, o
investimento público e privado inexistente, o rombo nas contas aumentado
irresponsavelmente por razões políticas. O custo de vida dos pobres aumentou e
as pessoas voltaram a cozinhar com lenha porque não podem comprar um botijão de
gás.
É preciso dizer umas verdades sobre isso também.
A primeira delas é que o Brasil só não quebrou ainda por
causa da herança dos governos do PT. Por causa dos 370 bilhões de dólares em
reservas internacionais que acumulamos e querem queimar na conta dos juros. Por
causa dos mercados internacionais que abrimos e que uma política externa
irresponsável está fechando. Por causa do pré-sal que descobrimos e que estão
vendendo na bacia das almas.
O Brasil só não está passando por uma convulsão social
extrema por causa da herança dos governos do PT. Porque não conseguiram acabar
com o Bolsa Família, último recurso de milhões de deserdados. Porque milhões de
famílias ainda produzem no campo, para onde levamos água, energia, tecnologia e
recursos em nosso governo. E também porque não conseguiram destruir ainda os
sistemas públicos de saúde, educação e segurança, mas fatalmente isso irá
ocorrer pela criminosa política de cortes do investimento público.
Sempre acreditei que o povo brasileiro é capaz de construir
uma grande Nação, à altura dos nossos sonhos, das nossas imensas riquezas
naturais e humanas, neste lugar privilegiado em que vivemos. Já provamos que é
possível enfrentar o atraso, a pobreza e a desigualdade, desafiando poderosos
interesses contrários ao país e ao povo.
Soberania significa independência, autonomia, liberdade. O
contrário é dependência, servidão, submissão. É o que está acontecendo hoje.
Estão entregando criminosamente a outros países as empresas, os bancos, o
petróleo, os minerais e o patrimônio que pertence ao povo brasileiro. Trair a
soberania é o maior crime que um governo pode cometer contra seu país e seu
povo.
A Petrobrás está sendo vendida em fatias a suas concorrentes
estrangeiras.
Fiquem alertas os que estão se aproveitando dessa farra de
entreguismo e privatização predatória, porque não vai durar para sempre. O povo
brasileiro há de encontrar os meios de recuperar aquilo que lhe pertence. E
saberá cobrar os crimes dos que estão traindo, entregando e destruindo o país.
Tão importante quanto defender o patrimônio público ameaçado
é preservar os recursos naturais e nossa riquíssima biodiversidade. Utilizar
esse patrimônio, fonte de vida, com responsabilidade social e ambiental.
Um país que não garante educação pública de qualidade a
todas as suas crianças, adolescentes e jovens não se prepara para o futuro.
Mas parece que enfiaram o Brasil à força numa máquina do
tempo e nos enviaram de volta a um passado que a gente já tinha superado. O
passado da escravidão, da fome, do desemprego em massa, da dependência externa,
da censura, do obscurantismo.
O Brasil precisa embarcar de volta para o futuro. E não tem
ninguém melhor para pilotar essa máquina do tempo do que a juventude desse
país. Porque essa juventude, seja ela branca, negra ou indígena, ela quer
ensino de qualidade, quer adquirir conhecimento, quer de volta as oportunidades
de trabalho digno, sem alienação e sem humilhações.
Essa juventude quer e merece um mundo melhor do que este em
que estamos vivendo.
Hoje me coloco à disposição do Brasil para contribuir nessa
travessia para uma vida melhor, vida em plenitude, especialmente para os que
não podem ser abandonados pelo caminho.
Sem ódio nem rancor, que nada constroem, mas consciente de
que o povo brasileiro quer retomar a construção de seu destino; de que temos de
fazer juntos um Brasil soberano, democrático, justo, em que todos e todas
tenham oportunidades iguais de crescer e sonhar.
O futuro será nosso, o futuro será do Brasil!
Muito obrigado!
Luiz Inácio Lula da Silva
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