O meu nome é John...



Jones Soares da Silva não nasceu em berço de ouro. Também nunca passou por dificuldades. Filho do petroleiro Leonardo e da professora Roseli, Jones frequentou boas escolas. Nunca foi um gênio, nem um apoucado. Um aluno mediano. Formou-se em filosofia pela UNIT.

Jones ainda não conseguiu uma colocação rendosa. Mora com os pais, e está estudando para concurso. Até aí, nenhuma novidade. Jones é um solitário. Não se sente parte de nada, não tem referências coletivas. Odeia a política e é indiferente a religião. Não pertence a nenhum grupo. Jones é uma alma desenraizada.

De uns tempos para cá, Seu Leonardo começou a achar Jones estranho, meio confuso, com uma conversa sem pé nem cabeça. O que houve meu filho, o que está lhe faltando? Meu pai, a minha vida não tem sentido. Quem sou eu, um inútil? O que isso menino? Fizemos o maior sacrifício para você estudar, agora é ter paciência, a sua hora vai chagar. Meu pai, não existe concurso para filósofos!

Só que bateu uma crise existencial em Jones, e sua autoestima despencou. Jones nem crer nem descrer em nada. Uma alma vazia. A primeira ideia foi cuidar do corpo. Passou a frequentar uma academia, e a ocupar boa parte do tempo na fisicultura. Engrossou os braços, tomou bomba, passou a ser um fitness. Mas não resolveu o vazio existencial.

Concluiu que o corpo musculoso não era suficiente. A sua feição tinha uma deformidade: as orelhas de abano, herdadas do Pai. Tomou uma providência imediata: procurou o cirurgião plástico mais caro de Aracaju, e operou as orelhas. Por infelicidade, as orelhas que antes eram muito afastadas da cabeça, com a cirurgia, ficaram muito coladas. Ele não gostou. Nem ninguém!

“A cirurgia estética é uma medicina destinada a clientes que não estão doentes, mas que querem mudar a sua aparência e modificar a sua identidade. Provocar uma reviravolta em sua relação com o mundo.”

Para encobrir o defeito cirúrgico, Jones passou a usar um par de brincos de penas com búzios caramelo. No começo chamou muita a atenção. Uns riam, outros debochavam, mas a verdade é que Jones saiu um pouco do anonimato. Começou a ser notado. Ele pensou, o caminho é esse, vou continuar investindo em meu corpo.

Nesse meio termo Jones tentou outras saídas. Fez terapia cognitiva comportamental (TCC), yoga, meditação, recorreu a homeopatia, virou vegano, Hare Krishna, punk, cheirou pó, teve uma experiência homo, fez a trilha de Santiago de Compostela, experimentou o Santo Daime, tentou o suicídio e chegou até pensar em virar evangélico. Nada deu jeito. Ao final de cada experiência, a alma de Jones continuava vazia. Nenhuma resposta.

Só lhe sobrou o corpo, como último refúgio. “O corpo sou eu!” imaginava ele inseguro... “Se não existem mais saídas nas esferas coletivas, vou buscar na vida privada.” Fez duas grandes tatuagens, uma nas costas, outra na bunda; pôs um piercing no nariz e outro na bochecha.

Pintou o cabelo de amarelo e mandou desenhar uma suástica. “Se não é possível mudar as condições de existências, pode-se pelo menos mudar o corpo de várias maneiras”, filosofava Jones. “O corpo é o emblema do self.”

Segundo Lasch, “essa paixão repentina pelo corpo é uma consequência da estruturação individualista de nossas sociedades ocidentais, sobretudo em sua fase narcisista.”

Jones passou a trespassar o corpo com alfinetes, enganchou cruzes gamadas, mutilou, talhou, escarificou, usou trajes impróprios; fez um branding com laser. Chegou a usar um ampallang, mas achou incomodo.

Jones se transformou num body builder. A sua alimentação passou a receber um complemento nutricional dado por proteínas em pó, minerais e vitaminas. Jones Soares da Silva, aos trinta anos, é uma fortaleza de músculos inúteis e enfeitados.

Jones tentou fabricar-se a si mesmo. O corpo virou o seu alter ego. O corpo passou a ser o seu lugar de questionamento do mundo.

Nessa trilha sinuosa, Jones não sabe mais o que é máscara e o que é rosto. O virtual e o real se fundiram. No final da metamorfose, Jones se transformou numa colcha de retalhos, fragmentado, polimorfo, disforme, membro de uma nova espécie, o Homo esquizoide, que em breve receberá um chip com inteligência artificial, e será controlado via internet.

Antônio Samarone.

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