Desde criança que eu ouvia
histórias do Raso da Catarina. As primeiras imagens que me lembro são de que
alguma mulher muito rica, que tinha um grande pedaço de terras e por isso era
tão conhecida, já que muitos adultos falavam sobre ela. A proprietária da
fazenda que deu o nome as terras, dizem, teria permanecido, mesmo com todas as
dualidades na região, até os últimos dias de sua vida por lá.
Também foi na infância que eu
tive o primeiro contato com as “terras da Catarina”. Certo dia saímos, eu, meu
irmão “Danda” e vários amigos para caçar passarinhos no mato. Como sempre
nesses momentos, eu era o mais novo entre eles e por isso, minha tarefa era
mais a de pegar “balas” (pedras que servissem para serem usadas nas petecas ou
baleadeiras).
Nós passamos a manhã andando
pelo mato. E enquanto andávamos, eu ouvia uma palavra estranha, mas que me
marcou até hoje. Constantemente alguém falava, que estávamos chegando no
“Ariado”. Era uma parte do raso onde a terra é fofa e a vegetação, quase toda
ela, é formada de velame. Daí vem o nome. Para os menos experientes, a
desorientação é certa. Era comum se ouvir os gritos de alguém que teria se
afastado do grupo e estava desorientado, perdido.
Também ouvi histórias sobre
Antônio Conselheiro e seus seguidores. Ele fundou o Povoado de “Belo Monte”, as
margens do Rio Vaza Barris, hoje cidade de canudos. Foi esse povoado o primeiro
levante no Brasil contra o pagamento de impostos aos municípios determinados
pelo governo federal no ano de 1893. Nasceu lá, o primeiro movimento rebelde e
que depois, ataco pela polícia, se tornaram os primeiros guerrilheiros das
Américas.
Vem do raso também, outras
histórias de lutas e enfrentamentos. Quem circulou durante um longo período de
sua vida por lá, foi Virgulino Ferreira, o Lampião. Diz uma das lendas que ele
passando por Macururé, uma das cidades encravadas na área e teria pedido para
que um sapateiro fizesse alpargatas “Xô Boi” com os calcanhares delas voltados
para a frente. Era, segundo dizem, para enganar “Os Macacos’, como eram
chamados pelo bando os policiais da época.
Já adulto, eu voltei a alguns
povoados que ficam dentro do raso. Eram andanças em períodos de campanha
eleitoral. Aconteciam reuniões, bate papos e pequenos comícios, sempre aos
domingos, que é quando as populações destas localidades estão mais presentes.
Este ano eu fui convidado por
um amigo, o Josivaldo, para visitar o Povoado várzea em Paulo Afonso na Bahia.
Da saída da cidade, até o local que fica dentro do raso, gastamos 1 hora e meia
em um carro Uno da marca Fiat. Toda a estrada é em terra batida. A poeira
quando da passagem do carro é tão espessa e volumosa que por minutos nos
afastamos e não se consegue ver nada.
É neste clima de deserto que,
já a mais de um mês, todos os sábados vamos ao Povoado.
No primeiro dia ao chegarmos
lá, já estavam embaixo de dois pés de algoroba grandes, dois senhores nos
esperando para uma prosa. A recepção que tivemos foi a mesma de quando chegamos
para visitar algum parente mais chegado. Foi cheia de apertos de mãos, abraços
e sorrisos. Estávamos entre amigos.
Também foi no primeiro dia que
me veio à cabeça a pergunta, “como esse povo consegue viver em terras tão
áridas e de difícil cultivo?”. Não tenho a resposta. Mas percebi que aquela
comunidade, hoje um Povoado com centenas de residências, vive no seu mundo e
feliz.
Me surpreendeu o som dos
pássaros. Que a muito eu não ouvia na cidade. A presença de galos de campina
(Paroaria dominicana), rolinha (Columbina picui), e pardais (Passer
domesticus). Mas o canto das Maracanâs (Primolius maracanã) que me encantaram.
Eram muitas. Elas sentavam nas arvores perto de onde estávamos. E enquanto a
conversa comia solta, eu não parava de olhar aqueles pássaros e suas cores.
Ainda há vida no raso. Há pessoas e pássaros que teimam em desafiar as mais
duras condições de sobrevivência. Eles vivem em um mundo onde todos os dias
comemoram a existência da vida, mesmo com tantas adversidades.
Ser Nordestinos é só para os
fortes!
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