Onde só os urubus têm vez



Manhã de calor escaldante no Nordeste é de “curtir a pele” de qualquer um Cristão que se aventure a colocar o corpo para fora de casa. Mesmo assim, aqueles meninos todos os dias, faça chuva ou faça sol, partem para o trabalho no lixão da cidade. Alguns acompanhados com seus pais e outros, já acostumados com a situação, vão sozinhos. Eles já estão acostumados com a fedentina do lugar. E de tão acostumados, vão chegando e subindo os montes de lixos deixados pelos caminhos na noite anterior. Aqueles meninos disputam, muitas das vezes, as sobras com os urubus.

É o dia dos restos vindo dos supermercados. Tem um pouco de tudo no meio daquele lixo. Sobras de iogurte vencidos, pacotes de bolachas esmagadas, laranjas e tomates podres e pedaços de carnes.


- Corre pega aquele lá.

Gritou o menor entre eles.

Os maiores se viraram para ver o que era e um deles saiu correndo entre os restos, tropeçando para chegar o mais rápido possível.

- Merda. Não deu tempo. Ele foi mais rápido do que eu.

O gordinho tinha, mais uma vez, perdido para um dos urubus que disputam restos de carnes com eles. E os meninos e meninas riam “feito crianças” da situação.

- Se fosse eu, o urubu não teria conseguido. Tu viu na semana passada o que fiz? Quando eu fui pegar um pedaço, ele meteu o bico e segurou. Eu não desisti, arranquei dele. O bicho ainda fez um barulho arretado. Pensei que ia me atacar.

Ele falava e o seu rosto sujo, escondia o orgulho de ter vencido aquela batalha. Era só uma, entre tantas outras que aconteciam por lá.

Com a chegada de um novo carregamento, o barulho do carro faz os urubus levantarem voo. A meninada se afasta para a passagem do caminhão, mas, mesmo antes de começar a descarregar, eles disputam espaço com os mais velhos na tentativa de encontrar algo valioso como, papelão e alumínio.

Poucos dos meninos e meninas conseguem uma posição que os favoreçam nesta disputa. Os mais velhos que trabalham no lixão os empurram e ocupam os melhores lugares. A força é bruta e vence a disputa quem tem maior porte físico. Com os urubus ainda dá para disputar os restos, com o ser humano, não. É cada um tentando a sorte grande, que nunca vem.

Alguns conseguem juntar no mesmo saco, todos os tipos de alimentos que conseguem pegar. Não há separação da carne com o iogurte, nem do mamão do tomate. Antes do meio dia, dois deles recolhem tudo o que foi conseguido e levam para as casas que ficam dentro da mesma área onde fica o lixão. Parece que hoje vai ter almoço para todos.

- Olha para o céu. Aqueles bichos parecem que estão nos seguindo.

Fala a garotinha com um boné que traz uma bandeira do Brasil já surrada de tanto uso.

- São só urubus olhando o Brasil lá de cima.

Fala o gordinho com as duas mãos cheias de sacolas com alimentos.

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