CIDADANIA, ÉTICA E ELEIÇÕES MUNICIPAIS.

Mário Moura


 

Em outubro realizam-se as eleições para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todo o Brasil. Será um momento em que decidiremos as nossas vidas e a vidas dos nossos municípios para os próximos quatro anos. Por isso estar conscientes que o voto-cidadão é um dos pilares a elaboração de políticas públicas estruturantes que assegurem o desenvolvimento com inclusão e justiça social é de suma importância. Antes, porém precisamos discutir sobre dois princípios fundamentais nesse processo: a cidadania e a ética.

Podemos dizer que ser cidadão/cidadã é ter direitos. Que direitos são esses? a) o direito à vida, à igualdade ante as leis, à propriedade (direitos civis); b) a participação nos espaços de decisão da sociedade (direitos políticos); c) a participação de todos, sem distinção de classe, etnia e credo religioso, na distribuição de renda, o direito ao trabalho, a saúde, a moradia, a educação, a cultura, a uma vida digna (direitos sociais). Ser cidadão/cidadã implica cumprir com seus deveres.

O que é ética? Podemos afirmar que é uma ciência que estuda os juízos morais referentes à conduta humana. "É uma realidade da ordem dos fins: viver bem, morar bem. Ética tem a ver com fins fundamentais (como poder morar bem), com valores imprescindíveis (como defender a vida, especialmente a do indefeso), com princípios fundadores de ações (dar de comer a quem tem fome), etc" (Leonardo Boff).


 

E A GENTE, O QUE TEM A VER COM ISSO?

O mundo hoje vive uma crise de paradigmas e esta está ligada a três grandes problemas: a crise social, a crise do sistema de trabalho e a crise ecológica. Nos últimos anos do século XX e início do século XXI, aumentaram de forma impressionante o nosso conhecimento e a tecnologia: conseguimos decifrar e manipular o genoma humano, iniciamos a era espacial e a descoberta de novas teorias a respeito do universo. Não é a toa que a atual sociedade é chamada da sociedade do conhecimento e da comunicação.

Em contrapartida, aumentaram assustadoramente as desigualdades entre ricos e pobres (crise social), a expansão da robótica e da informática, aliados a revolução tecnológica e a automação da produção, descartaram o trabalho humano e criaram milhões de excluídos no mundo todo (crise de trabalho), também aumentou-se o desequilíbrio no meio ambiente provocado pelo uso e descuido dos recursos naturais (crise ecológica). Não temos a ética e a política adequadas para vivermos melhor, apesar de todos os recursos científicos que possuímos.

E o Brasil nossa cidade? Nós homens, mulheres, jovens, trabalhadores, estudantes, militantes, etc., oriundos das classes populares, dos subúrbios, da caatinga, dos vários recantos... temos idéias, esperanças e lutas. E um projeto para o Brasil e conseqüente para os nossos municípios deve ser pautado em alguns pontos: Primeiro: o processo democrático em curso no país exige de cada cidadão/cidadã postura de engajamento e compromisso político-social. Essa postura baseia-se na responsabilidade e o respeito pelo bem público. Segundo: nós somos responsáveis em fazer acontecer o nosso presente e projeto do futuro para que nossa cidade, nosso país, nosso estado e o mundo tenham uma economia solidária, uma política alicerçada na democracia, socialmente igualitária, pluralmente cultural e com sustentabilidade ambiental. Terceiro: como cidadãos/cidadãs somos atores e sujeitos na história e para tanto é preciso ter consciência do nosso papel e como funcionam as engrenagens das relações de poder no bairro, na escola, no trabalho, no partido político, no poder público, etc. Essas tarefas exigem que comecemos a agir por onde conhecemos mais, por onde construímos e carregamos nossas identidades. Construir e carregar uma identidade implica em conhecermos a nossa história pessoal e a história política, econômica e cultural de onde pisamos e estamos, quem foram e quem são os responsáveis pela gerência pública e qual a função do cidadão/cidadã no controle do poder local. Quarto: queremos ocupar espaços de decisão elegendo pessoas que tenham um compromisso político-social e ética para serem porta-vozes do povo, nas câmaras e conselhos municipais, conquistando e acompanhando políticas públicas que respondam aos desejos da população e que reforcem a responsabilidade do Estado com a educação, saúde, habitação, etc., de qualidade e gratuita. Quinto: o exercício da democracia é uma atividade ousada, plural, inclusiva e coletiva. Nós precisamos como lideranças incentivar a todos os atores sociais ao fortalecimento da cidadania e de uma consciência crítica e da articulação com os movimentos sociais.


 

O VOTO: SOMOS TODOS RESPONSÁVEIS!

Nenhuma eleição é igual à outra. A que vai acontecer tem o seu caráter próprio, porque a história é dinâmica e avança e os eleitores, a cada eleição vão melhorando e aperfeiçoando o senso crítico. Por isso, o voto é o modo mais concreto que cada pessoa tem para expressar a sua voz e exercer a sua cidadania. Dessa forma, não votar ou votar de forma irresponsável e errada significa pôr em risco o processo democrático e possibilitar que os nossos velhos conhecidos "coronéis" de sempre e corruptos de carreira ocupem o espaço da política e barrem que os verdadeiros, cidadãos/cidadãs possam transformar a realidade social, ecológica e humana.

Ao sairmos pelas ruas e nos diversos espaços, percebemos que o assunto do momento gira em torno da política como se em algum outro momento isso não existisse, e como se todos nós não fizéssemos parte disso. E o pior é que se ouve com muita freqüência "odeio política", "quero saber disso não". Um país que tanto lutou para reconquistar a democracia e o direito ao voto, não pode abominar através de seus cidadãos/cidadãs um dos seus principais pilares.

O nosso país, estados e municípios têm uma realidade assustadora: uma minoria privilegiada com direitos, milhões de analfabetos (22 milhões), desempregados (17 milhões), na miséria e pobreza extrema (34 milhões), além do mais, a impunidade, a desorganização civil e a dificuldade de reivindicarmos os nossos direitos são males ainda presentes. Dessa maneira, não podemos nos dar ao luxo de termos memória curta e de esquecer o curso da história, bem como, trocar o nosso voto por favores pessoais, algumas cestas básicas, cimento, telhas, tijolos, consultas médicas, combustível, próteses dentárias e tantas outras. Se paga um alto preço pela memória curta: repetir erros. A cesta básica e os favores pessoais passam e acabam, porém o estrago que determinado político profissional possa fazer dura muito tempo e desta maneira, interfere diretamente em nossas vidas. Quando esquecemos o princípio do bem-comum e trocamos o nosso voto por desejos particulares, estamos nos condenando a fazer dele um favor, uma esmola! Perdemos a nossa dignidade como seres humanos quando nos contentamos com as migalhas que nos jogam e oferecem!

Há também de fazermos valer a Lei Nº 9.840 de 29 de setembro de 1999. Como cidadãos/cidadãs cabe a nós identificar todas as irregularidades que estejam sendo cometidas em termos de compra de votos e de uso da máquina administrativa e levá-las ao conhecimento da Justiça Eleitoral.  As denúncias podem ser feitas por qualquer eleitor que descobrir, isoladamente, que alguma infração está sendo cometida. Mas a fiscalização será mais eficaz se for feita em grupo, criando-se, com outras pessoas igualmente dispostas a participar, um Comitê de Combate à Corrupção. Esse Comitê pode visitar as pessoas e instituições como os conselhos municipais, a representação da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, o bispo diocesano ou o padre da paróquia, bem como bispos e pastores de outras igrejas, o Juiz Eleitoral e o Promotor Eleitoral da comarca, os dirigentes dos partidos presentes no município, para informá-los da existência do Comitê e do seu propósito de fiscalizar as campanhas eleitorais. Com o mesmo objetivo, os jornais e rádios locais, assim como as emissoras de TV eventualmente existentes no município.

O voto é muito importante e, através dele estamos construindo a história de nossa cidade e de nossa sociedade. Neste sentido, as eleições constituem-se um momento singular, pois todo candidato é chamado a assumir responsabilidade política para comprometer-se com o povo. Sabemos que as grandes questões e problemas mundiais, nacionais e locais não se resolvem com a eleição de um homem ou uma mulher para ocupar determinados cargos, mas quem vai ocupá-los deve estar ciente de seu papel sócio-político. É preciso também desmistificar certa visão messiânica ou apocalíptica das eleições, bem como, criticar a idéia de que todo político é "corrupto", "ladrão" e "igual". Temos que separar o joio do trigo.

O importante mesmo é a definição de novos modelos de Estado e país e isso só vai concretizar se não bastar-nos apenas em inserir o voto na urna. Nós temos a obrigação ética de acompanhar os representantes eleitos de forma colaborativa e cobradora para que os compromissos de campanha sejam cumpridos.

Por causa da atual crise ética e política com escândalos de corrupção e mau uso do dinheiro público, muita gente está decepcionada e desiludida. O que preocupa é que este afastamento da política está parindo pessoas indiferentes a realidade, porém muitos também vêem nesse momento, ocasião para o amadurecimento e aperfeiçoamento das instituições democráticas do país e assim construir um Brasil de fato, onde o Estado de Direito cumpra o seu dever respeitando a cidadania que cada um de nós possui.

A política não é apenas algo que envolve discursos, promessas e eleições, nem algo sujo, distante e satanizado. É sim, a busca do bem comum, alicerçado no respeito pela pessoa e a diversidade, na afirmação do bem-estar social e na existência de uma sociedade justa, democrática e igualitária.

Exercer a cidadania, a ética e a política não é fácil, talvez nunca seja, pois cada uma delas carrega na sua essência o pluralismo e a dinâmica das transformações. E promover transformações é um grande desafio. Cabe a nós sermos os protagonistas dessa bonita e terna história! Eis os nossos motivos mais íntimos para jamais perder de vista um novo mundo, uma nova América Latina, um novo Brasil... nossas esperanças, lutas, sentimentos, amores... Convicções!

Nenhum comentário: