O intelectual orgânico dos trabalhadores, necessariamente de
esquerda, denuncia a luta de classes; o intelectual orgânico da classe
dominante, necessariamente conservador ou de direita, também procura intervir
na realidade, mas para impedir o parto do futuro. Muitas vezes não lhe basta a
conservação do statu quo: intervém para reaver o passado.
Embora não possa escolher o seu tempo, aquele no qual terá
de realizar sua existência, é imperativo para o escritor, intelectual orgânico,
representante sempre de uma visão ideológica do mundo, definir-se diante da
luta de classes e, assim, definir o caráter de seu papel como agente histórico.
O escritor reproduz sua visão de mundo toda vez que escreve
ou deixa de escrever. Baudelaire definiu-se diante das revoluções de 1848.
Combateu-as e, pelo resto da vida, fez-se adversário das noções de progresso e
liberdade, construindo visível contradição entre vida e obra, entre o
intelectual e o poeta. Balzac permaneceu indiferente diante da Comuna de Paris.
Sartre — ele mesmo intelectual permanentemente engajado — lembra o silêncio de
Flaubert e de Goncourt diante da repressão à Comuna, para mostrar como ambos se
definiram optando pela omissão, que, numa tábua de valores, tem tanto
significado quanto a intervenção de Zola, o qual, sem temer a força das
circunstâncias, optou pela defesa da liberdade do capitão Alfred Dreyfus, como
antes se havia definido Voltaire — talvez um dos primeiros dos intelectuais
engajados — no caso Calas.
Quantos intelectuais brasileiros contemporâneos de Joaquim
Nabuco e José do Patrocínio mantiveram-se silentes diante do escravismo?
Quantos, na República, silenciaram diante do massacre que se sucedeu à Revolta
da Chibata? Quantos se mantiveram calados e passivos diante do Estado Novo?
Quantos marcharam ao lado de Miguel Reale Jr., jurista social-democrata e autor
do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, costurado com o então presidente da
Câmara dos Deputados?
Niomar Moniz e Roberto Marinho, com seus Correio da Manhã e
O Globo, respectivamente, optaram de maneira distinta diante da ditadura
militar, conscientes ambos — ela dos riscos, ele dos benefícios — quanto ao que
nenhum dos dois estava errado, como demonstrou a história. Igualmente,
numerosos empresários de grosso calibre financiaram o golpe de 1º de abril de
64 e sustentaram a ditadura. No lado oposto, tivemos exemplos raros — e por
isso dignos de celebração — como o de Fernando Gasparian, intelectual orgânico,
fundador do semanário Opinião, trincheira de resistência política à ditadura.
Combateram-na, entre muitos, Antônio Houaiss, Ênio da Silveira, Carlos Heitor
Cony, Amelinha Teles, Celso Furtado e Chico Buarque de Holanda, entre tantos
que conheceram a repressão e o exílio, enquanto outros, com larga presença na
imprensa a defendiam, como Rachel de Queiroz e Rubem Fonseca.
Raduan Nassar, um dos mais importantes escritores
brasileiros do século XX, completará 90 anos no dia 27 de novembro, como lembra
Frei Betto (“Raduan Nassar rumo aos 90 ”Folha de S. Paulo, 26/08/2025), um dos
mais destacados intelectuais orgânicos de minha já velha geração, que nos fala
do Raduan escritor.
Escritor dos maiores, embora de poucas obras, mas todas
preciosas, Raduan deixou, ao dar por encerrada sua produção, um conjunto de
singular densidade poética, de concisão e de experimentalismo formal muito
próprio, que o distancia, por exemplo, do Guimarães Rosa telúrico.
Sua precisão estilística, criativa tanto quanto corajosa,
distante do barroco de Grande sertão: veredas, lembra o Graciliano Ramos de
Vidas Secas. Sua sintaxe é inovadora porque é lírica, uma prosa musical,
próxima da poesia. Invade o vasto e profundo universo íntimo da alma humana a
partir do microcosmo de seu mundo arcaico e familiar — o desejo e o sentimento
de culpa, a violência telúrica (que também está em Graciliano) e a ânsia de
liberdade, sonho do homem — e assim alcança a universalidade, meta de todo
grande escritor.
Este é o seu lado mais conhecido, que, pelo seu brilho,
escurece o Raduan Nassar cidadão, político de esquerda, intelectual orgânico
comprometido com o país.
Em 1984, escritor consagrado, vencedor dos prêmios Jabuti e
Camões, anuncia o afastamento da literatura e, em 1985, abandona de vez a cena
pública para se dedicar à vida rural. Vai morar e trabalhar em sua fazenda
Lagoa do Sino, no interior de São Paulo.
Em 2014, quando as circunstâncias nos aproximam, o
intelectual orgânico toma o assento do escritor. Sua voz se ergue na defesa do
mandato violentado de Dilma Rousseff, mantém-se firme na condenação do golpe
parlamentar, opõe-se ao governo Temer, o Perjuro, denuncia a trama golpista da
chamada Operação Lava Jato (cujos desvios corruptos são hoje notórios) e se
antecipa na exposição de seu caráter vassalo. Defende o presidente Lula,
corretamente identificado como prisioneiro político, visita-o na prisão e está
com ele em Curitiba quando de sua libertação. Defende sua eleição em 2022.
A militância política se impõe com a tragédia representada
pela emergência da extrema-direita, que conhece o poder com Bolsonaro e dele
ainda não está de todo afastada — eis que controla o Congresso e mantém apoio
popular —, mesmo depois das eleições de 2022 e da frustração da intentona de
2023. Com os olhos voltados para a realidade, dirá: “Prefiro falar de política
e não de literatura”. Surpreendeu em 2016 ao discursar em público para defender
a presidente Dilma do viciado processo de impeachment, publicou artigos e fez
críticas ao então vice-presidente — aquele político menor que, apesar de tudo,
a imprensa nativa ainda se presta a bajular —, já de malas prontas para
hospedar-se no Palácio da Alvorada.
Retorna então, ao autoexílio, ainda inexplicado, em sua
fazenda paulista.
***
A limpeza étnica prossegue — O genocídio palestino vai se
aproximando de seu 2º aniversário, e o governo israelense, abertamente
empenhado na limpeza étnica (autorizada por uma “comunidade internacional”
omissa, portanto cúmplice), anuncia aos quatro ventos seu projeto de solução
final, que envolve a tomada da Cidade de Gaza, centro do gueto árabe. O
Lebensraum sionista já engloba, para além da quase totalidade do território
palestino, pedaços da vizinha Síria. Nesse cenário de horror e desgraça, faz bem
o Brasil em subir o tom contra as provocações e insultos emanados de Tel Aviv,
e rebaixar o padrão de suas relações diplomáticas com o protetorado. Mas não se
pode imaginar que isto seja o suficiente.
O viralatismo ideológico- O Financial Times e o Le Monde
registram o encontro de Donald T. com o novo líder sul-coreano. O estadunidense
é claro em seu objetivo: quer usar a península coreana como base de
lançamentos/provocação voltada para a China, atual obsessão do velho império.
Para isso, acena com o interesse de normalizar as relações com Pyongyang e se
apropriar de vez (!) das bases estadunidenses em território sul-coreano. Tanto
o Financial quanto o Le Monde (que não
são conhecidos por sua simpatia pelo comunismo) referem-se a Kim Jon-un de modo
neutro, como "líder" ou "dirigente" norte-coreano. Por que
o leitor brasileiro é obrigado a consumir estereótipos em suas folhas e
pasquins, em meio a um vazio de informação?
Os bilhões do crime organizado – O Ministério Público de São
Paulo e a Polícia começam a desvendar as criminosas relações do PCC com o
sistema financeiro. A vinculação de uma das famílias do crime organizado, a
lembrar a máfia italiana no início do século passado, com a Faria Lima é muito
grave, por si, pelo óbvio, e pela ameaça política que está escondida: o que
sociedade máfia-Faria Lima está fazendo
com esse monturo de dinheiro sem rastro? As primeiras investigações falam em 58
bilhões de reais. Financiando a direita? Elegendo seus procuradores no
Congresso Nacional, ou os governos de São Paulo e Minas Gerais?
Por: Roberto Amaral.
* Com a colaboração de Pedro
Amaral.
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