É hora de dialogar com os militares. Há anos Bolsonaro faz
proselitismo nas escolas e entre os oficiais. Vamos lembrar que ele foi eleito
pela primeira vez defendendo os salários e as condições de trabalho das Forças
Armadas. Depois evoluiu para uma plataforma anticomunista e antipetista,
saudoso da ditadura e defensor da tortura, homofóbico, machista e violento. Fez
história no parlamento por suas bravatas e ameaças, infelizmente toleradas pela
maioria dos deputados.
Agora, caminhamos para ter novos candidatos e atores
políticos oriundos da caserna. Destacam-se Mourão e Heleno, ambos generais como
o comandante Villas Bôas, que depois de uma fala no Senado - quando expôs um
projeto de desenvolvimento nacional, natural em se tratando das Forças Armadas,
dos militares - escorregou ao, na prática, apoiar a fala de Mourão favorável à
intervenção militar, nome medroso para golpe e ditadura militar.
O que determina e o que expressa hoje o ativismo político
entre militares de alta patente? Que sentido teriam as Forças Armadas
brasileiras se não defendessem um projeto de nação, de desenvolvimento, a
soberania nacional, o pré-sal, a Amazônia, a Amazônia Azul, a indústria de
defesa nacional, nossas fronteiras, nosso papel na América do Sul? Nenhum!
Seriam apenas polícias a serviço de facções que detêm ou disputam o poder.
Não devemos esquecer a história: é obrigação de quem se diz
de esquerda e/ou nacionalista.
Nossos militares fundaram a República e a retomaram em 1930.
Governaram com Getúlio, chefe da revolução, presidente constitucional e ditador
no Estado Novo. Depois o derrubaram em 1945, mas não eram um partido único e
unificado. Nas décadas de 20 e 30 eram, em sua maioria, apoiadores da Velha
República. Os tenentes se levantaram em armas e forjaram uma hegemonia em
aliança com os civis, que representam a nova e nascente burguesia industrial e
agrária. Para simplificar, é óbvio.
Reflexo da disputa na sociedade e no mundo, dividiram-se
entre nacionalistas, estatistas e entreguistas privatistas, entre
industrialistas e agraristas - estes sempre ligados aos Estados Unidos e à
“vocação” agrária do Brasil. Uma bobagem, como a que ouvimos hoje a respeito da
inevitabilidade da adesão do Brasil à hegemonia norte-americana e à austeridade.
Também houve uma segunda divisão entre os germanistas
(pró-fascistas) e os americanistas (pró-democracia), de novo para simplificar.
Getúlio, que tinha noção e consciência nacional, negociou a
entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados em troca do Brasil de hoje, do
binômio aço e energia, pavimentando a fundação da Petrobras, da Eletrobrás e do
BNDES. Daí o ódio de nossos liberais de araque - que hoje são banqueiros e
financistas e vivem do sangue do povo.
Lênin dizia que o socialismo era aço+energia+soviets.
Getúlio sabia que o Brasil só seria uma nação independente se industrializado e
soberano, capaz de financiar seu desenvolvimento e dominar suas riquezas,
começando pelo seu mercado interno e sua cultura, a educação e a ciência.
Divididas, as Forças Armadas participaram e foram decisivas
nas disputas políticas do país entre 1946 e 1964. Suas facções reacionárias e
ligadas à direita udenista (pró-américa do norte) tentaram dar golpes em 54,
55, 57 e 61, exigindo maioria absoluta, que não era constitucional, para
Getulio tomar posse. Também tentaram impedir a posse de JK. Lott deu um
contragolpe e empossou, na prática, JK. Mais adiante, as Forças Armadas
tentaram impedir a posse de Jango em 61, que depois renunciou. Por fim, deram o
golpe em 64.
Um ponto que merece atenção: após o golpe, expurgaram das
Forças Armadas milhares de oficiais e suboficiais democratas, nacionalista,
comunistas. Bastava não ser reacionário e de direita para ser expulso. O resto
é história e todos nós sabemos como foi a ditadura, seus crimes, a corrupção -
como nunca se havia visto e encoberta pela censura e a repressão.
Mas atenção. Há vida inteligente nas Forças Armadas, seja de
direita ou não, mas há. Há ainda seu DNA: sem projeto de nação e de soberania,
elas perdem sua razão de ser e se transformam em polícia ou guarda pretoriana
de presidentes e ditadores civis, como aconteceu em diferentes países.
Não vamos esquecer que o sucessor de Getúlio, em 1946, foi
Dutra, que com ele governou durante todo o Estado Novo. E só foi eleito porque
tinha o apoio de Getúlio. Mudou totalmente a política econômica entregando-se
às diretrizes do império do norte e depois entregou o poder ao mesmo Getúlio -
agora eleito democraticamente - nacionalista e carregado pelo povo até o Catete.
Na ditadura de 64 predominou, no início, a famosa
“Sorbonne”, a Escola Superior de Guerra e seu ideólogo, Golbery de Couto e
Silva, sua geopolítica e projeto de nação. Não é por nada que nossa direita,
sempre quando pôde, atacou Geisel e seu II Plano de Desenvolvimento, que
consolidou nossa indústria de base, sua política externa e o rompimento do
acordo militar com os Estados Unidos, posterior ao Acordo Nuclear com a
Alemanha.
É claro que era uma ditadura e nós lutamos contra ela,
inclusive de armas nas mãos. Os entreguistas de direita, não. Esses apoiaram e
sustentaram o regime ditatorial enquanto ele servia a seus interesses e
riqueza. E ainda hoje sustentam qualquer tiranete ou usurpador, desde que
continue a sangria dos juros altos e do rentismo. Realidade cada dia mais
clara, apesar de censurada pela mídia monopolista.
A questão militar esteve sempre presente. Foi assim de 1889
a 1985. Ficou submersa nos últimos 30 anos nas casernas, nas escolas militares,
nos serviços de inteligência das Forças Armadas, na Escola Superior de Guerra
renovada, nas ações internas e externas - como a missão no Haiti e a presença
dos militares na Amazônia - e na Indústria de Defesa Nacional.
O que nós de esquerda devemos perguntar aos militares é a
quem eles querem servir: ao povo e à nação ou à facção financista e rentista
que assaltou o poder? Que rasgou a Constituição e o pacto social e que destrói,
dia a dia, a soberania nacional, entregando de mão beijada para o capital
externo nossas empresas - estatais ou não -, nossas riquezas minerais, nossas
terras férteis.
Um arranjo golpista que destrói nossa cultura e estado de
bem-estar social e é incapaz de manter a ordem e a segurança pública - até
porque sem crescimento, emprego, distribuição de renda e bem-estar social isso
é impossível.
Não devemos nos assustar com fala de Mourão e Heleno, com a
reação apaziguadora de Villas Bôas e com o silêncio dos covardes. Devemos
travar o combate político e de ideias.
Só mesmo ingênuos ou cegos poderiam acreditar que não
haveria politização das Forças Armadas no quadro de decomposição do Congresso
Nacional - que deu o golpe e colocou no poder a camarilha do Temer – e de uma
Suprema Corte incapaz de cumprir a Constituição e de deter o estado policial
que setores do MPF e da magistratura, a pretexto de combater a corrupção,
impuseram ao país com o beneplácito e a cumplicidade do próprio STF. E com
instigação da mídia, a mesma que, como ontem, hoje se joga de corpo e alma no
golpe e que, amanhã, atribuirá toda a culpa deste crime histórico aos Moros e
Deltans da vida.
Eles - os ricos e os donos do poder, do dinheiro e da
informação – são os verdadeiros responsáveis pela tragédia por que passa a
nação brasileira.
Outra indagação aos militares, que devemos sempre destacar,
difundir e propagar, é se eles cumprirão com o sagrado dever de defender a
pátria, a nação e a Constituição ou se serão guiados pelos gritos histéricos de
um Bolsonaro. Ou, ainda, se eles aceitarão, mais uma vês, ser engabelados por
um novo demagogo da estirpe de João Doria.
Deixarão seguir a marcha insensata e traidora da venda do
patrimônio nacional, do rebaixamento do Brasil a um país alienado aos Estados
Unidos, sem futuro e sem esperança, ou retomarão o fio da história em defesa de
um projeto de nação, com o povo em primeiro lugar, em defesa de nossas riquezas
e, inclusive, do povo armado que deve ser as Forças Armadas?
Ou há disciplina e hierarquia nas Forças Armadas, com elas
servindo ao poder civil e à Constituição, ou haverá luta, divisão, facções, com
disputa dentro delas e por elas. É o que nossa história nos ensina. Não nos
iludamos para não sermos pegos de surpresa e servir aos desígnios dos que usam
e abusam dos militares para seus próprios fins e não aos da pátria.
Parabenizo o sr. José Dirceu pela coragem e objetividade deste seu texto, o qual tem de ser divulgado (ao máximo), para que mais cidadãos possam refletir, ao menos um pouco, sobre que está a ocorrer em "nosso" Brasil.
ResponderExcluirGrande José Dirceu. Sempre militando e esclarecendo. Que esteja sempre conosco suas idéias e conselhos são sempre valiosos.
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