
Minha mãe, Dona Regina
Roque, que Deus a tenha em um bom lugar ao seu lado, tinha uma forma curiosa de
nos colocar para dentro de casa. Mesmo quando tentávamos ficar brincando por
mais tempo na rua. É que naqueles anos, surgiu uma lenda no Nordeste, neste
caso aqui, em Paulo Afonso na Bahia. Diziam os mais velhos, para amedrontar as
crianças, que as noites os “Papa Figo” pegavam as crianças que estivem nas ruas
sozinhas e as levavam com eles. Eram seres grandes, com orelhas enormes, e
vinham montados em cavalos. Carregavam nas mão bandeiras vermelhas. Tão
vermelhas que lembravam o sangue dos inocentes. Dizia minha mãe que muitas
crianças já tinham sido levadas, ninguém já mais soube onde seus corpos foram
deixados. Mas todos nós sabíamos, através das histórias, que muitas tinham
morrido nas mãos dos Papa Figo. E quando, após insistirem muito que as crianças
parassem as brincadeiras e entrassem, nós começávamos a ouvir os gritos de
nossas mães. “Corre que o Papa Figo tá vindo aí”. Era a senha para que o medo,
o pavor, o desespero tomassem conta de cada um de nós. Não lembro ter visto uma
só viva alma que enfrentasse aquele medo. Pedíamos para terminar a partida, mas
era comum, naqueles momentos, dois dos nossos amigos ficarem nas esquinas
vigiando, para ouvir o som das patas dos cavalos. Muitas das vezes fui eu que
fiquei. Tremia de pavor. Algumas das vezes a correria eram desesperadora. Isto
porque alguém gritava que tinha ouvi o som. Normalmente as ruas ficavam vazias
rapidamente naqueles momentos.
A figura do Papa Figo
resiste ainda dentro da minha imaginação. Homens de grandes orelhas, que,
montados em seus cavalos, traziam bandeiras vermelhas, e levavam com eles as
crianças inocentes que só queriam brincar em frente de suas casas. Como,
naqueles dias pudéssemos entender com clareza o que era aquilo, gritado com
temor por nossas mães.
Passados anos, lendo a obra
de Jorge Amado, o Cavaleiro da Esperança, que narra a aventura da Coluna
Prestes pelo interior do Brasil. Eles partiram do município de Santo Ângelo, no
Rio Grande do Sul. Hoje existe até um Memorial em homenagem a Coluna Prestes. O
movimento percorreu vinte e cinco mil quilômetros pelo interior do Brasil
durante dois anos e meio. Mesmo tendo andando pelo interior do Brasil, passado
inclusive por Jeremoabo, na Bahia. Cidade distante 82 Quilômetros da cidade
onde moro. A Coluna Prestes não conseguiu sensibilizar a população para a sua
causa. A longa marcha foi concluída em fevereiro de 1927, na Bolívia, perto de
nossa fronteira, sem cumprir seu objetivo, que era a de disseminar a revolução
socialista no Brasil. Eu me deparei com imagens descritas pelo autor que me fez
descobrir de onde partiu a lenda do Papa Figo. A figura de homens em seus
cavalos, desbravando o País. Levando a ideia de liberdade e comunhão a todos.
Que carregavam bandeiras do Partido Comunista Brasileiro, é o achado que eu
precisava para entender o quanto tão perverso é uma mentira dita mil vezes.
Criada para amedrontar as pessoas, quando ainda não tínhamos o sistema de
informação atual, a história de que os “Comunistas” comiam criancinhas, ganhou
uma versão ainda mais aterrorizadora para nós dos interiores do sertão baiano. Inventada
sobre a imagem de Luiz Carlos Prestes, que tinha duas grandes orelhas, a
história do Papa Figo, que roubava as crianças que estavam brincando durante as
noites nas ruas das cidades, traduz certamente o imaginário popular e como os
governos ditatoriais usam as imagens e histórias para amedrontar a todos. Lembro-me
que as nossas mães também acreditavam naquela história. Não era só uma forma de
nos colocar para dentro de casa quando passamos do horário de dormir. Elas
acreditavam que aquelas figuras existiam de verdade. O grito de Corre que o Papa
Figo vem aí, tinha a sua verdade na cabeça daquelas mães. O medo era coletivo,
porque, todos nós acreditamos ser verdade.
Para quem ainda não leu, o
Cavaleiro da Esperança é uma boa fonte de informação de como homens destemidos,
desbravam o interior do Brasil, para levar a todos a ideia de uma sociedade
justa. E viva Luiz Carlos Prestes!
Mas claro que há outros relatos sobre a origem do mito do Papa Figo. Eu prefiro este que criei.
Mas claro que há outros relatos sobre a origem do mito do Papa Figo. Eu prefiro este que criei.
Gostei da historia e vou ler o livro
ResponderExcluirGostei da historia e irei ler
ResponderExcluiro livro