O país que não incentiva a
modernização das Forças Armadas renuncia ao futuro. Lamentavelmente, não se
pode esperar essa visão do atual governo
Em artigo a Carta Capital
(“O Brasil precisa de um setor siderúrgico eficiente e competitivo”, publicado
na edição 940 de CartaCapital com o título “As três autonomias”), a propósito
de oportuna defesa da siderurgia brasileira, ponto de partida, como ensinou
Getúlio Vargas, de qualquer projeto de construção nacional, o ex-ministro Antônio
Delfim Neto, destaque do pensamento conservador, delineia as três autonomias
sem as quais, diz ele, “nenhuma nação será independente”.
Eu quase diria que é um bom
ponto de partida para um Programa Nacional, um Projeto de País, de que tanto
carecemos. E assim vou comenta-las.
Essas condicionantes, inafastáveis, são: 1) a autonomia alimentar, 2) a
autonomia energética e 3) a autonomia militar.
Vejamos.
A autonomia alimentar é
aquela capaz de suprir o consumo interno, não apenas por imperativo
político-social, mas por razões estratégicas, como a necessidade de enfrentar
ocorrência de conflitos ou guerras, crise de transporte ou qualquer
‘impedimento das importações’.
O festejado agronegócio é um
dos setores mais dinâmicos da economia – graças aos investimentos estatais, dos
quais os melhores exemplos são a Embrapa (centro de excelência
científico-tecnológica) e o financiamento das safras pelos bancos públicos com
prazos e juros favoráveis.
Esses subsídios são sempre
esquecidos… Mas, sabidamente, a grande
produção é de commodities voltadas para o mercado internacional. Qualquer
mudança de padrão produtivo cobraria tempo, com o que as crises de abastecimento
não se acomodam. Já o mercado interno, é crescentemente atendido pela
agricultura familiar, responsável por mais de 70% dos alimentos que chegam à
nossa mesa, apesar de ser, em face de seu conteúdo social, ‘o patinho feio’ do
governo das oligarquias.
No mesmo plano encontra-se a
autonomia energética, fundamental em qualquer hipótese, sabemos, mas
imprescindível em país com as nossas características e nosso nível de
desenvolvimento e urbanização. Sem energia, não há parque produtivo de pé nem
civilização.
Daí o grande mérito do
esquecido ‘Luz para todos’, trazendo milhões de brasileiros para o século XXI.
O projeto energético brasileiro precisa ser revisto, pois vivemos, desde o
desastrado desmonte da Eletrobrás nos anos 90, na fronteira de uma crise de
abastecimento – evitada até aqui pela queda de consumo derivada da recessão –
e, em especial, pela crise da indústria.
O setor hidrelétrico,
responsável por mais da metade do fornecimento de energia, sofre o atraso da
construção de novas usinas e de suas longas linhas de transmissão, cada vez
mais contestadas por ONGs internacionais. O abastecimento, ademais, precisa
estar assegurado independentemente de condições climáticas adversas que afetam
o volume de água armazenável.
Releva aqui, destacar o
papel do petróleo, e consequentemente, da Petrobras, posta em crise, para que
deixe de ser protagonista de nossa autonomia de combustível, projeto da
administração Temer-Parente. Fatiada para ser mais facilmente privatizada, a
grande empresa estatal, antes garantia de nossa autonomia, tem, hoje seu futuro
– isto é, o futuro do petróleo brasileiro -, transformado em uma incógnita.
O programa nuclear, que
engatinha há mais de 40 anos, sofre mais um baque, com a paralisação das obras
de Angra III. A alternativa da biomassa, que deu seus primeiros passos com o
Proálcool ainda não conseguiu firmar-se, em face das idas e vindas da política
energética brasileira.
Há avanços, ainda não muito
significativos, na geração de energia fotovoltaica (ainda muito cara) e eólica
esta principalmente no Nordeste. Mas a produção dessas duas fontes será sempre
complementar, e, ainda assim, irrelevante tendo em vista as necessidades do
consumo nacional, que, porque defendemos o desenvolvimento, queremos que cresça
e cresça muito.
A terceira ‘autonomia’, a
militar, é, do meu ponto de vista, a autonomia síntese, pois dependente de
todas as demais e dependente, principalmente, do desenvolvimento
industrial-tecnológico, de que tanto estamos nos afastando. Essência, ponto de
partida e ponto de chegada, a autonomia militar (autonomia bélica, sim, mas
igualmente autonomia ideológica) é conditio sine qua non de soberania, sob
todas as modalidades conhecidas.
Dela tratarei mais
demoradamente.
De certa forma, a função
moderna de Forças Armadas, em país como o nosso, não é fazer a guerra, mas
evita-la, advertindo eventuais agressores das perdas que lhe seriam impostas. É
o seu papel de dissuasão, tradução moderna do si vis pacem para bellum romano.
(A consciência da autodestruição, fruto da auto dissuasão, evitou que a guerra
fria terminasse na hecatombe atômica).
Para isso, porém, precisam
ser Forças modernas, bem aparelhadas, servidas por pessoal altamente adestrado
capaz de resposta rápida. Mas não tem Forças Armadas quem não tem autonomia
científico-tecnológica e, ao fim ao cabo, indústria bélica, um desdobramento da
indústria civil.
O desenvolvimento em
ciência, tecnologia e inovação é o pivô do desenvolvimento econômico, social e
militar, e condiciona os conceitos de soberania e defesa, posto que soberania
não é um conceito nem jurídico, nem político, nem militar, mas
multidisciplinar, pois compreende uma visão social, uma visão econômica, uma
visão política, uma visão estratégica, uma visão científica e tecnológica e
acima de tudo uma visão política,
ideológica e cultural, uma vez
que significa, igualmente, uma proposição de valores que se realiza na
aplicação do projeto de nação, que visa ao desenvolvimento das forças sociais,
à consolidação do país e à sua continuidade histórica.
Segurança, independência, capacidade
de defesa e preservação da soberania nacional, ofício das Forças Armadas,
integradas com a sociedade, refletem a medida do desenvolvimento
científico-tecnológico-industrial das nações. O país que não compreender esta
lição, e não exercitar seu ensinamento, estará renunciando ao futuro.
Conhecimento científico e
tecnologia estão no cerne dos processos por meio dos quais os povos são
continuamente reordenados em arranjos hierárquicos. Desde sempre se sabe que o
conhecimento, usado politicamente (e sempre o é), comanda a hierarquização dos
povos, motivo pelo qual faz-se necessário assumir a evidência de que não há
possibilidade de nação soberana sem autonomia científica e tecnológica, de que
depende a autonomia militar, e, conclusivamente, não há possibilidade de
inserção justa na sociedade internacional, na globalização, sem soberania.
Soberania nacional e
dependência científico-tecnológica-industrial são incompatíveis entre si, como
incompatíveis são subdesenvolvimento e independência, como é impossível
estratégia militar de dissuasão sem Forças Armadas altamente equipadas.
Lamentavelmente, nada disso
se pode esperar de um governo que intenta destruir a empresa nacional, põe em
risco a Petrobras e entrega o Pré-sal a multinacionais e entregar o território
nacional à cobiça do capital privado internacional, liberando a venda de
terras, inclusive nas fronteiras. Um
governo para o qual o papel das Forças Armadas é o de Guarda Nacional, para
suprir as polícias estaduais em seu rotundo fracasso como garantidoras da
segurança pública.
O escritor e o malfazejo
Raduan Nassar é um dos
maiores escritores de nossa língua, no nível de um Graciliano Ramos, de um
Guimarães Rosa, e mesmo de um Machado de Assis. Lavoura Arcaica e Um copo de
cólera são obras-primas em qualquer literatura do mundo.
O Prêmio Camões – antes
dele, entre outros brasileiros agraciados, estão Jorge Amado, João Cabral de
Melo Neto, Lygia Fagundes Telles, Antônio Cândido – fez justiça ao escritor consagrado
e ao intelectual comprometido com a liberdade, a independência e os interesses
de seu país e de seu povo, os temas de sua obra.
Em seu discurso, ao receber
o Prêmio (concedido por um júri formado por escritores brasileiros e
portugueses) fez-se intérprete do sentimento nacional, ao criticar o governo
que aí está, despertando a fúria, a grosseria, a falta de educação do pequenino
ministro da Cultura em exercício, intelectualmente minúsculo, e, por isso
mesmo, à altura do governo a que serve como cão de fila.
Esse homem menor tentou
atingir Raduan Nassar, o grande escritor, o grande intelectual, o grande e
desassombrado patriota. Sobrou-lhe arrogância, faltou-lhe tamanho.
Roberto Amaral é escritor e
ex-ministro de Ciência e Tecnologia.
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