ESPECIAL ROYALTIES: ENTREVISTA DE JOSÉ IVANDRO DE BRITO FERREIRA.


Para falar sobre a importância dos royalties de energia hidroelétrica, hoje entrevistaremos José Ivandro de Brito Ferreira, participou ativamente da campanha pela conquista dos royalties de energia hidrelétrica. Vendedor, blogueiro e militante político, ele foi presidente da União dos Estudantes Secundaristas de Paulo Afonso – Unespa, e dirigente da Associação dos Moradores do Bairro Tancredo Neves. Foi, ainda, secretário municipal da Prefeitura de Paulo Afonso, tendo ocupado as pastas de serviços urbanos, de obras, de ação comunitária e de chefia de gabinete, no governo de José Ivaldo, de 1986 a 1988, e ocupou a assessoria de comunicação e a ouvidoria, no governo de Raimundo Caires, de 2005 a 2008.

P- Como o Sr. viu esse movimento, a campanha do royalties em Paulo Afonso?

José Ivandro- Esse movimento representou muito para Paulo Afonso, tanto do ponto de vista econômico, pelo aporte de recursos que o município passou a receber após a criação deste dispositivo, como também pelo fator político. O movimento pelos royalties foi uma nova emancipação, que, aliada à nova divisão dos recursos federais, representou o fim da peregrinação de “Pires na Mão” pelos corredores dos órgãos estaduais e federais. Mas foi também a independência política, a quebra dos grilhões que prendiam as administrações municipais aos interesses da Chesf.

P-O Sr. (a) lembra de como se deu o movimento?

José Ivandro- Paulo Afonso é a cidade que gera riqueza para todos os cantos do nordeste. Aqui haviam duas cidades, dois mundos diferentes: o acampamento da Chesf, com água tratada, rede de esgoto, energia elétrica e iluminação pública por todo canto, ruas pavimentadas, clubes sociais, cinemas, escolas de alto padrão e segurança armada. Essa parte privilegiada da cidade mantida pela Chesf, era cercada por um muro que a separava da outra parte, a parte pobre, que tinha muito pouco ou quase nada. A Prefeitura não tinha recursos suficientes para prover os serviços necessários e muito menos podia fazer investimentos em pavimentação, iluminação publica ou saneamento básico.

Essa injustiça nos indignava e dessa indignação surgiu a ideia de Zé Ivaldo, ainda como liderança estudantil e depois como vereador, de que a Chesf deveria retribuir com impostos para o município, a riqueza aqui gerada, e que, como já fazia a Petrobras com os municípios produtores de petróleo, deveria pagar Royalties pela produção de energia gerada em nosso município.

Essa foi a principal bandeira defendida por Zé Ivaldo em sua campanha a Prefeito de Paulo Afonso no ano de 1985. Eleito, Zé Ivaldo passou a trabalhar em busca da viabilização do seu projeto, e com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, vislumbrou ali a grande oportunidade para garantir os recursos que a cidade tanto precisava.
Num primeiro momento a campanha foi conduzida de forma a inserir na constituição uma emenda popular através da coleta de assinaturas. Houve grande participação popular e foram coletadas milhares de assinaturas, mas enfrentávamos um adversário forte e muito poderoso. A Chesf usou toda a sua força e poder para combater a iniciativa popular, ameaçou funcionários e espalhou boatos de que a empresa perderia seu poder de investimento, que a energia ficaria mais cara, que seus funcionários que moravam no acampamento passariam a pagar conta de energia. A empresa pressionou prefeitos e vereadores, e até comerciantes e empresários com quem mantinha relações comerciais, das cidades que seriam beneficiadas com a medida para não aderirem ao movimento.

Diante de toda essa pressão e com o risco de não atingir o numero mínimo de assinaturas para inclusão da emenda popular, o prefeito Zé Ivaldo resolveu abrir uma nova frente e buscou o apoio de deputados constituintes para apresentação da emenda, encontrando no Deputado Federal Fernando Santana, do PCB, o apoio que precisava. Fernando Santana comprou a briga e apresentou a emenda na Assembleia Nacional Constituinte. A emenda foi aprovada e incorporada ao texto da nova Constituição.

P- O Sr. sabe informar se antes da promulgação da Constituição Federal, em 1988, a Chesf pagava algum imposto, taxa ou contribuição ao Município?

José Ivandro- Nada. Nem o IPTU (Imposto Territorial Urbano) era pago até então. Zero era o que a Chesf pagava a Paulo Afonso pela imensa produção energética realizada no município.
Antes de Zé Ivaldo assumir a prefeitura, a Chesf, quando era do seu interesse ajudava o interventor de plantão (Paulo Afonso era Área de Segurança Nacional) cedendo máquinas e/ou equipamentos para serviços temporários. Quando Zé Ivaldo assumiu e começou a cobrar da empresa a sua imensa dívida social com o município todas as portas se fecharam. A Chesf negou à Prefeitura até o uso da máquina de cópias heliográficas da empresa, onde eram tiradas as cópias dos projetos de engenharia e arquitetura do município, única num raio de mais de 200 quilômetros. A solução foi usar da criatividade e construir artesanalmente uma máquina heliográfica que, embora não tivesse a mesma qualidade, foi de muita utilidade para o trabalho das secretarias de obras e planejamento.

P- Em sua opinião, qual foi o fator preponderante para criação do movimento de reivindicação dos royalties?

José Ivandro- O desejo de lutar contra a injustiça praticada até então, quando a Chesf explorava os recursos dos municípios e não dava nada de volta à comunidade local.
A riqueza produzida de nada valia para o lugar de onde ela era extraída. Zero era o que a Chesf pagava para aquelas populações atingidas de alguma maneira pelo processo de produção energética.

P- O Sr. lembra-se de pessoas que efetivamente se envolveram nessa campanha? E os que foram contrários?
José Ivandro- O prefeito Zé Ivaldo, autor da idéia, sua equipe de governo, lideranças como Dimas Roque, o ex-prefeito Otaviano Leandro de Morais, além de diversos chesfianos corajosos, que não se submeteram a posição tomada pela empresa e apoiaram a luta assinando e coletando assinaturas, mesmo sob a ameaça da diretoria da empresa, da toda-poderosa Chesf.

Dos políticos locais, adversários do prefeito, com exceção do vereador Evandro Paiva, que fez discursos na câmara em defesa da causa, a maioria pressionada pela empresa e com o medo de um possível crescimento político do prefeito, ou não participou do movimento, se omitindo, ou foram contrários fazendo coro com as atitudes terroristas da diretoria da empresa. O pior adversário foi o então diretor de engenharia da Chesf (da qual foi posteriormente presidente) José Carlos Aleluia, que combateu veementemente a idéia, tendo inclusive orientado seus subordinados a trabalhar contra a proposta, ameaçando os funcionários e chefes de setor para que não aderissem ao movimento, sob pena de represálias da companhia. Este depois, já como deputado federal, tentou figurar como defensor dos royalties. O ex-prefeito Luiz de Deus não se manifestou publicamente.

P- Em sua opinião, a construção das usinas, mais notadamente a da Usina PA IV, causou impactos positivos em Paulo Afonso e no seu entorno?

José Ivandro- Entendo que havia a necessidade da construção das hidrelétricas e a sua importância para o desenvolvimento econômico e social da região e do país. No entanto para Paulo Afonso o impacto da Construção de PA IV era positivo apenas em curto prazo, somente com a geração de emprego e apenas durante o período das obras. Claro que todo o complexo hidrelétrico da Chesf foi benéfico para a cidade, mas havia desde o projeto de PA I uma política clara da companhia de não alavancar o desenvolvimento da cidade e do seu entorno, e isso impediu um crescimento maior e mais acelerado de toda a região. Muita gente atribui a essa política da empresa os empecilhos criados para a instalação em Paulo Afonso de fábricas diversas. Dizem que a Chesf temia o aumento do preço da mão de obra, que era extremamente barata à época.

P- E quais foram os impactos negativos que a implantação das Usinas causou em Paulo Afonso?

José Ivandro- Obras gigantescas como estas causam verdadeiros desastres ambientais. Na época ainda não se tinha a preocupação que se tem hoje com a preservação do meio ambiente e isso foi péssimo.

A Chesf praticamente se apossava das propriedades, não pagava o justo por elas e muitas vezes sequer indenizava as famílias. No caso de PA IV, por exemplo, centenas de famílias foram retiradas a força de suas propriedades e jogadas ao léu em um terreno reservado para este fim, sem nenhuma infraestrutura, sem casa para morar, sem comida, sem água e sem luz. Muitos destes reassentados foram obrigados a viver embaixo de árvores, de mulungus e algarobas, até que pudessem construir barracos para abrigar suas famílias.

P- Como o avalia a importância dos royalties de hidrelétricas para os municípios brasileiros afetados por construções desse tipo, mais especificamente para Paulo Afonso?

José Ivandro- É de extrema importância, já que essas grandes obras atraem para esses municípios milhares de novos moradores, muitas vezes mais gente do que a população original, e isso acarreta a necessidade de grandes investimentos para que o município seja capaz de atender a demanda que esse aumento populacional exige. Na verdade a compensação aos municípios atingidos por barragens deveria começar antes mesmo do inicio das obras, pois a partir do inicio delas, a demanda por serviços publico já aumenta imensamente.
No caso de Paulo Afonso, cidade que nasceu em razão da construção das Usinas, a compensação financeira, foi, e é, fundamental para a melhoria da qualidade de vida da população. São duas realidades completamente distintas, a Paulo Afonso de antes e a nova cidade depois dos royalties. A receita de Paulo Afonso aumentou muito. Os royalties injetam hoje quase R$ 2.000.000,00 (Dois Milhões de Reais) mensais nos cofres do município.

P-O Sr.(a) acredita que a receita da compensação financeira contribuiu/contribui para o desenvolvimento social, econômico e ambiental do Município? Acredita que contribuiu/contribui significativamente para melhorar a cidade?

José Ivandro- A Receita advinda do pagamento dos royalties é uma das três maiores fontes de recursos do município, junto com o ICMS e o FPM, que aumentaram bastante após a nova Constituição, em razão de outra luta importante da qual o prefeito Zé Ivaldo e nós participamos ativamente, luta que resultou na elevação da fatia da receita do bolo tributário para os municípios que passou de 3%, até 1988, para algo em torno de 15%.
Eu avalio que os royalties ajudaram em muito a melhorar a cidade, a torná-la melhor, mais bonita, mais agradável. Os royalties contribuíram sobremaneira para o desenvolvimento social e econômico do município de Paulo Afonso. Os investimentos em pavimentação, eletrificação, iluminação pública, estradas e transportes, as grandes obras realizadas, e, ainda a construção de barragens, aguadas, poços e estradas vicinais nos povoados, a construção de casas populares, praças e quadras poliesportivas foram feitas com esses recursos.
Tudo isso gerou emprego, gerou renda, movimentou a economia local e proporcionou enorme melhoria para a qualidade de vida da população.
Já do ponto de vista ambiental ainda falta muito, mas algum avanço foi obtido: a coleta de lixo melhorou, com a aquisição e contratação de equipamentos e veículos e foi implantada uma central de separação de lixo para a reciclagem, maior e mais moderna do que a que nós havíamos implantado; a rede de saneamento que antes existia apenas na área da ilha, incompleta, e alguma coisa em alguns bairros, foi ampliada para quase toda a cidade. E isso foi feito com recursos municipais. Só agora é que a Embasa passou a atuar em saneamento, com a reestruturação da rede coletora e implantação de estações de tratamento de esgotos. 

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