Zelar por nossas crianças.

A publicidade é um negócio especial, motor do capitalismo, atividade que consegue fazer do produto uma mercadoria, consegue transferir qualidades mágicas ao que se quer vender, e que carrega consigo, por isso mesmo, uma carga enorme de criatividade, até porque manipula a mente das pessoas. Realiza a transformação a que Marx se referia, transformando valor de uso em valor de troca. Ninguém compra um automóvel. Compra o que pensa ser aquele automóvel. E convence. E vende.

Por isso, pergunto: será justo que nossas crianças continuem a ser constantemente bombardeadas por mensagens publicitárias destinadas a incentivar o consumo, a propalar uma visão consumista de mundo, a ser os porta-vozes do mercado junto aos seus pais? É correto que a publicidade no Brasil não experimente nenhuma regulamentação com relação à publicidade infantil? Respondo logo que, do meu ponto de vista, não. As crianças têm sido utilizadas não só para a venda de produtos infantis, como para estimular o consumo de produtos destinados a adultos.

Não estou especulando. Tenho participado intensamente desse debate na Câmara Federal. Recentemente, um cartaz que dizia: “Venha ao Maximídia e aprenda a falar com quem mal aprendeu a falar”. Isso mesmo. Tratava-se de um debate do Maximídia 2011 – 21º Encontro Internacional de Marketing e Comunicação, realizado pela Meio&Mensagem, em São Paulo, que ocorreria no dia 6 de outubro, que já deve ter acontecido, portanto. “É a oportunidade de você e sua empresa aprenderem a falar com gente que influencia imensamente o consumo de milhões de adultos”. Não há, portanto, dúvida quanto ao que se quer com a publicidade destinada ao público infantil – levar os adultos a comprar, e não sómente produtos para as crianças.

As crianças – e falamos de uma idade que vai de zero a 12 anos – ainda não tem maturidade suficiente, como é natural, não têm experiência de vida, acreditam com mais facilidade nas coisas que ouvem e vêem. Não sabem controlar seus desejos e são facilmente iludidas pelas atraentes e bem estudadas mensagem publicitárias. As conseqüências são danosas. Obesidade infantil, uma delas. A publicidade de alimentos não saudáveis contribui muito para a formação de maus hábitos alimentares. De cada 10 alimentos anunciados no Brasil, sete são guloseimas e comidas industrializadas, e 15% das crianças brasileiras já estão obesas e 33% com sobrepeso.

A erotização precoce, outra. Estimuladas pela publicidade, as crianças acabam pulando etapas importantes de seu desenvolvimento. Também é notório que crianças mais pobres, que não podem comprar o que o mundo publicitário anuncia, reagem contra a família e a sociedade. A publicidade sem controle de bebidas alcoólicas também estimula ao consumo precoce do álcool, com as conseqüências conhecidas. Nossas crianças têm de ser protegidas desse bombardeio. Na Câmara Federal, há projetos destinados a isso, e nós os temos apoiado, promovido audiências públicas e insistido que tramitem rapidamente.

Para acalmar os afoitos, lembro que em outros países há regulação em relação ao assunto. Na Suécia, é proibida a publicidade na TV dirigida à criança menor de 12 anos em horário anterior às 21 horas. Na Inglaterra, é proibida a publicidade de alimentos com alto teor de gordura, sal e açúcar dentro e durante a programação de TV com apelo ao público menor de 16 anos, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer canal ou emissora, como é proibida a publicidade para crianças que ofereça produtos ou serviços por telefone, correio, internet ou celular.

EUA, Bélgica, Alemanha, Noruega, Canadá, Irlanda, Dinamarca, Holanda, Áustria, Portugal, Luxemburgo, Itália e Grécia são alguns outros países que tem legislações voltadas à proteção das crianças em relação à publicidade. Não estaremos mal acompanhados caso consigamos avançar na legislação com algum tipo de proteção às nossas crianças diante do indiscriminado bombardeio publicitário. Ao contrário. Teremos dado um passo para a proteção de nosso futuro. Será um gesto carinhoso, amoroso com nossas crianças. O consumo é assunto de adultos. Crianças merecem ser protegidas.

Emiliano José é Jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA).

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